terça-feira, 20 de novembro de 2012

Cordinha


Estou com saudades de ficar à toa, sem fazer nada.  Só à toa, mesmo...
Estou cansada... de muitas coisas.  Acho que de mim mesma, também. 
Não tenho sido boa companhia. 
Mas, enfim... Não podemos puxar uma cordinha na vida pra pedir parada no próximo ponto, como fazemos no ônibus... Se isso fosse possível, talvez eu já tivesse puxado.

=(  DePrê
Nov 20, 2012 - 6:52 a. m. 



terça-feira, 30 de outubro de 2012

Suicida

Ontem meu pensamento viajou por caminhos assustadores!  
Pensei muito em não estar mais aqui.  Em matar o que me faz sofrer, matando-me a mim.  Ou, falando ainda mais precisamente, deixando-me morrer.  Matar o problema, deixando-me morrer.  Era assim que eu pensava. 
Essa sensação de angústia sufoca, incomoda, espreme a vida por entre minhas carnes.  Mas, sobretudo, ela dói.  De algum modo, dentro da minha cabeça algo dói, algo parece estar ferido.  Conheço a dor assim, como algo que sobrepõe a lógica do físico, do corporal.  Algo dói uma dor tão íntima, que outros diriam não ser dor, pra tentar nomear diferente.  Mas não tem outro nome: é dor, mesmo.
Ainda está doendo. Meu peito oprimido. Meu coração move-se dentro dele, me fazendo perceber sua vibração.  Não está discreto e integrado a mim, como no padrão cotidiano.  É como um ser à parte, movendo-se, empurrando-se de dentro para fora, forçando as paredes à sua volta, como bicho lutando para fugir de uma armadilha.  Meu coração quer sair do meu peito, talvez porque também sinta-se sufocado dentro dele.  Quer partir, fugir, respirar, libertar-se.  Quer viver.  Longe da dor.
Ser à parte, meu coração não parece se importar se eu dependo dele para viver. Simplesmente quer partir, sair do lugar que lhe oprime.
Hoje a dor me permite escrever, ao menos.  É um sinal que eu chamaria de positivo, porque significa que quero algo que não seja desistir de mim. Quero algo diferente de deixar-me morrer para, assim, tentar matar a dor.
— Escrever ajuda?  
Não sei.  Antes eu pensava que ajudava, então escrevia bastante, sempre que o sofrimento me acuava.  Hoje não tenho mais do que dúvidas sobre isso.  Mesmo assim, escrevo.  De vez em quando, faço uma tentativa de narrar o que sinto, como quem tenta abrir uma janela para respirar.  Se a janela não abre, ao menos a sensação de ver o lado de fora pelo vidro já parece amenizar a falta de ar.
O desejo de não ser, para que o problema também não mais seja, persiste.  Menos intenso do que ontem.  Mas existe.  Inegável.
Vontade de extinção, de zerar, de apagar, de nunca ter sido.
Vontade de suicídio.  De inexistência. 
Engraçado como uma dor muito intensa me faz pensar atravessado:  se fosse uma dorzinha, menos esmagadora, me faria querer acabar com ela; uma dor maior do que eu, no entanto, me faz querer acabar comigo mesma.
Alguém em quem a dor já habitou e que sobreviveu a ela, por favor me ajude a encontrar uma saída.  Se é que há saídas...

DePrê  =(
Oct 30, 2012 - 9:23 a.m.

Partir

29 de outubro de 2012:  um ótimo dia para morrer.
Eu teria partido sem olhar para trás...

=(

DePrê  =(
Oct 29, 2012 - 12am

domingo, 29 de julho de 2012

Maldita química, de novo!

Queria xingar, dizer tudo o que sinto, para esvaziar-me dessa coisa que mora em mim e que frequentemente desperta, feito um monstro horroroso, assustador... Queria poder, com palavras, jogar para fora do meu peito essa angústia que me aniquila, acabar com a dor, o incômodo.  Queria que o som da minha voz fosse capaz de me fazer exalar definitiva e totalmente esse gás tóxico que me envenena a alma.
Que sensação ruim é essa, que se espalha em meu corpo e me dá essa des-vontade?  Sinto desejo de não ser, de não existir, de voltar no tempo ao instante anterior ao despejar dessa substância maldita, que intoxica meu organismo e que me sufoca. 
Estava distraída, conversando bobagens. Preparava um prato com arroz e strogonoff, sobras do almoço, salivando de vontade. Comecei a comer, ainda rindo. Foi quando, entre um garfo e outro, a descarga dessa merda que não sei o nome começou a se espalhar de cima para baixo, mudando até o gosto da comida. Num instante, salivando; no momento seguinte, mal conseguia mastigar aquela porção sem sabor, e engolir a comida foi um esforço, um sacrifício que fiz porque minha razão ainda resiste às emoções negativas.
Não digo que sinto vontade de morrer. Nem isso me instiga. Só queria poder congelar o tempo, ficar inerte consumindo essa angústia, me alimentando dela, inexistindo sem precisar da morte para isso.  É o que chamo de des-vontade.
Que raio de neurotransmissor é esse que sobra, me causando tristeza, ou que porcaria de recaptador devora tão subitamente minhas sensações de bem-estar? Gostaria de encontrar um cientista, mesmo que fosse para me fazer sua "cobaia", mas que me dissesse com exatidão o que acontece dentro do meu cérebro e que me faz sentir tanta coisa ruim... 
Tudo muda em um segundo.  E eu me pergunto até quando vou suportar o lamaçal, sem atitudes perigosas. Tenho muito medo disso. Tenho medo de mim mesma na insanidade da depressão, porque conheço-me nos meus poucos momentos de normalidade, quando consigo até gostar da pessoa que sou. E também conheço a dos picos de euforia, que não chega a ser má, embora de vez em quando apronte. Temo que essa personalidade taciturna que surge na angústia desfira golpes contra o corpo que abriga as outras, a do equilíbrio e a do superavit, que me fazem valer a pena. Um dia, depois de uma dessas crises, tentarei acordar na normalidade ou mesmo no alto da montanha-russa, e não mais poderei. É uma possibilidade que esse monstro devorador me mostra, me afundando de temor. 
Minha respiração fica comprometida, parece que meus pulmões se contraem, diminuindo o volume do que consigo inalar; meu esôfago também fica mais estreito, dificultando a deglutição dos alimentos, mesmo líquidos; meu corpo todo fica fraco, minhas energias parecem sair de mim pelos poros; meu peito dói.
Como é incômodo sentir isso!  Como a angústia é desesperadora! Sinto o hálito da morte sobre minha pele... 
Não sei mais o que escrever.  Palavras não arrancam de mim a dor, mas a dor arranca de mim as palavras. Transforma-as em inúteis construções, nas quais não consigo sentir abrigo. 
Como eu gostaria que um xingamento ou mesmo uma lágrima pudesse levar consigo a angústia...


DePrê  =(
July 29, 2012 - 10:11 p.m.

domingo, 10 de junho de 2012

O outro outro

Eu sinto raiva agora.  Muita raiva, um ódio quase mortal, um stress, veneno circulando por dentro e extravasando pelos poros.  Há chamas dentro da minha cabeça, flambando meus olhos.  Há um desejo de ser metralhadora, de devolver ao mundo todas as porções de bosta que me foram jogadas ao longo da vida.
Não aceito mais a dor se não for natural, se não vier de uma doença ou fatalidade.  Não acato mais as sentenças que são proferidas contra mim por pessoas que me são iguais, seja em direitos, deveres, responsabilidades, ambientes, escolhas, empreendimentos.
Estou vivendo uma fase em que tudo em mim está fervendo.  Algo mudou nos últimos tempos, algo se quebrou por dentro, um vasilhame no qual eu acumulava o fel das minhas angústias.  Agora, esse fel transborda, escorre em meu interior, se espalha, me transforma. Viro um bicho, selvagem e violento, em busca de sobrevivência.
Esse vasilhame eu posso chamar "diplomacia".  Quebrou-se a minha diplomacia.  Acabou-se.
O que ganho e o que perco com isso?  (Agora, vivo fazendo essa pergunta sobre tudo. Obrigada, L!)
Às vezes penso que perco muito.  Muito, mesmo.  Inclusive pessoas que amo ou admiro, amigos... No entanto, agora entendo por outro ponto de vista: amigos que eram amigos da minha diplomacia, não meus, na verdade.
Perdi?  Talvez.  Quase certamente, quase posso afirmar que essa é uma perda real. Mas, pensando friamente, posso dizer que essas perdas são relativamente pequenas, já que, se alguém é amigo da minha diplomacia e não meu, eu já não tinha esse alguém, essa amizade. Não era amizade verdadeira, era?  Parece falsa, interesseira, frágil, dependente.
Percebo que não estamos – quase nenhum de nós – preparados realmente para lidar com “o outro verdadeiro”.
Há em cada um de nós uma casca.  O que vemos no outro é um outro superficial ou aparente, com o qual convivemos e nos afeiçoamos, e ele vê o mesmo quando olha de volta. A pessoa mudou ou mostrou-se por dentro? Já não somos mais capazes de conviver com esse "outro" outro. Já não mais o toleramos. Ele é diferente de nós, daquele outro aparente com quem convivíamos antes e que se ajustava tão perfeitamente a nós.  Ele é "desconfortável".  E não queremos conviver com o desconfortável.
E os ganhos? O que eu levo nisso tudo? 
Solidão, pra começar. 
Ganhei solidões novas, recusas, desprezos, silêncios, críticas, inimizades, rejeição. 
Ganhei a mim mesma também.  Nunca pertenci tanto a mim mesma como agora, nunca fui tão legítima como tenho sido nos últimos dias. 
Uma hora dessas, quem sabe, eu termino de destilar esses venenos e digerir esse fel, consertando o vasilhame da diplomacia para nele voltar a conter meus argumentos e minha selvageria.
Talvez o eu aparente volte a ter amigos (falsos, como os de antes) abundantemente, uma teia (frágil) de relações e articulações (in)seguras, que me abrirão (incertas) portas, viabilizarão uma (des)confortável vivência.
Ser radical, verdadeira, implica um preço um tanto alto, por me fazer sentir uma solidão muito grande.  Põe-me num deserto.  Me larga à mercê do destino, à deriva.
Já estive sozinha antes, por outros motivos. Já estive nesse deserto, vivendo comigo mesma e me sentindo culpada pelo que nem era.
O que mudou?  Agora, sim, sou culpada.  Inteira e unicamente culpada.  Sou responsável.  Estou sozinha por uma escolha que fiz, uma alternativa que eu mesma construí para mim, não mais por banalidades íntimas que me desencorajavam da relação com o outro.
Agora entendo um pouco mais o meu pai.  Ele era duro, orgulhoso, vaidoso.  Devo ter guardado em mim tudo isso (que, afinal, também sou) por ter visto quanto ele foi discriminado, criticado e escanteado por agir assim. Talvez eu tivesse medo de pagar o mesmo preço que ele pagava pelas suas escolhas.
Confesso: dói.  
Dói muito.  É ruim perder pessoas que amamos – ou pensar que perdemos.  Mas, como eu já disse, às vezes pode até ser lucrativo descobrir que não tínhamos pessoas que amávamos.  Não as perdemos, na verdade, mas apenas tomamos conhecimento de que nunca as tivemos.  Elas eram amizades que pertenciam ao mundo da nossa diplomacia, não ao nosso mundo real.
Mesmo assim, insisto: dói.  Dá uma vontade imensa de recuar, voltar ao eu aparente, ao eu polido, educado.  Dá vontade de renunciar a esse verdadeiro eu que agora se mostra: selvagem e incomodado, tentando sobreviver, tentando ser ouvido, assumir a própria identidade.
Vivi sob máscaras. Aos poucos eu vou retirando-as, uma a uma, mas ao invés de ficar mais leve, me sinto densa, tensa.
Acho que, no fundo, eu mesma tenho medo de quem sou.  Acho que meus olhos, sem as lentes coloridas das boas maneiras, parecem muito ferozes, ameaçadores, assustadores. Se alguém se afasta, até entendo que em parte é medo de mim, também.  Eu não gostaria de encontrar num caminho ermo com a pessoa que me tornei ao retirar as máscaras, porque temeria ser devorada!
As máscaras sociais são, antes de tudo, jaulas, nas quais contemos nossa própria identidade, para que nossa selvageria não assuste a quem nos cerca.
Tenho medo da minha raiva, da minha verdade. Medo de quem sou agora... 

DePrê  =(
Jun 6, 2012 – 1:11 a. m.

sábado, 24 de março de 2012

Química cerebral

Eu gostaria de entender o que acontece comigo. Gostaria de saber que química é essa que me aquece, borbulha, fervilha, me deixando elétrica, me fazendo perder o senso, o rumo, o limite...
Parece que minha cabeça processa mil pensamentos por segundo.  E, de algum modo, eu tento processar esses mil pensamentos não em um, mas em meio segundo, para que sobre o outro meio para outras mil possibilidades!
Num determinado momento, esse líquido borbulhante e efervescente fica tão quente dentro de mim, que explode.  E, explodindo, me faz perder todas as linhas com que teci meus raciocínios.  E rompem-se todos os projetos, como todas as lembranças.  Cessa, subitamente, o ritmo frenético de meus pensamentos. 
Esvazio.
Então, tudo vira escuridão.
Encontro-me mergulhada no vazio que ficou da explosão de pensamentos.  Vejo as cinzas desses pensamentos caindo tão lentas que tento alcançá-las com as mãos. Mas nada tem vida, sequer um germe que venha a reviver.
Assim, a sensação deixa de ser de vazio e passa a ser de desesperança de que em algum momento haja qualqeur reação, qualquer coisa que me resgate.
Primeiro um vulcão, depois sua erupção, e por fim, as cinzas cobrindo o mundo todo...
Esse texto não terá exatamente um fim.  Ficará assim mesmo, com perguntas suspensas no ar, à espera de respostas.
Que química é essa, que me ergue e soterra sem escolhas e sem pausas?
Que maldita química é essa, que me mata um pouco a cada dia, desde que nasci?


DePrê  =(
Dec. 1, 2011 - 8:25 a.m.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Apatia

A apatia tem me mostrado seus olhos, ultimamente, como outrora.  Percebo isso nos finais de tarde, principalmente. 
O que há poucos dias me confrangeu a ponto de me fazer adoecer, agora parece não ter uma importância tão grande para me causar sofrimento.
Refiro-me à possibilidade de deixar a faculdade.  Fiquei apavorada com essa hipótese, quando ela surgiu em função de uma proposta de emprego.  Fiquei tão desconcertada, tão angustiada, que não queria mais nada da vida, entrei em depressão na mais comum das suas acepções: aquela tristeza tão dolorosa, a ponto de sufocar.
Não sentia fome, tinha dores de cabeça, vontade de chorar.  Fiquei tão tensa e magoada em perder meu tesouro – a possibilidade de conhecer, aprender, crescer, expandir –, que nada mais parecia ter importância ou sabor.
Hoje me peguei ligando para a empresa cujo diretor me ofereceu o cargo, para pedir-lhe uma chance de ainda participar da seleção de candidatos.  Naturalmente. 
Considero deixar a faculdade com quase tanta certeza de estar fazendo a coisa certa, quanto tinha ao entrar por suas portas, três meses atrás.  Sem muitas dores, sem muitos temores.  Na maior normalidade.  Praticamente indiferente.  Como quem adia (novamente) a vida.  Como se não fosse importante viver agora, mas sempre deixar pra depois o que desejo, em nome do que preciso.
Necessidades sempre engolem sonhos, afinal.  Aprendi assim.  E tem sido assim.
Entristeço mais por constatar que estou apática, mesmo com medicação correndo nas veias, do que propriamente pelo que estou abrindo mão.
Há ainda algo que está me fazendo anestesiar, caso tenha mesmo que deixar o curso: estou meio “peixe fora d’água” por lá.  Extraterrestre.  Anormal, como zombam alguns.  Parece, às vezes, que estou falando outro idioma, ou mesmo que estou no lugar errado, sei lá...  As pessoas tratam o aprender como se fosse algo extraordinário, para o que não estão ainda preparadas.  E eu me pergunto:  pra que será que estão ali, então?
Na sala de aula, há sempre uma sensação de que as pessoas à minha volta não estão à vontade comigo.  Mas, na verdade, sou eu que me sinto assim, pouco à vontade com os demais.  Piso em ovos o tempo inteiro, medindo palavras, raciocínios, impressões.  Perco o rumo quando tento me alongar em alguma coisa e a pessoa diz: “Ah, você é anormal! Nem sei do que está falando!”.  Aprender, que pra mim é minha alma respirando, agora virou meio criminoso, doentio.  É crime ser capaz.  É crime alcançar, absorver. 
Então, juntando o inútil ao desagradável, ou seja:  a apatia a esses incômodos comentários, já viu no que dá.
...
Meus pensamentos não estão muito romanescos, ultimamente.
Acho que deveria haver um jeito de interditar as pessoas durante suas crises de identidade, depressões, melancolias, devaneios... Porque a vida sem sentimentos é estado vegetativo do ser.  E decidir sobre a vida pela racionalização integral dos fatos, sem considerar o dia após esse dia com seu raiar e pôr de sol, com suas estrelas e sua lua, com suas brisas, aromas, sabores, cores, rimas e cansaços, é castigar-se previamente a um despertar doloroso, quando reencontrar no bolso do casaco aquela velha e desbotada foto e a assinatura caprichada, quase saltando do R.G.
Será que ainda saberei realmente quem eu sou?
E, se saberei, me pergunto:  gostarei da pessoa na qual terei me tornado, tanto quanto gosto da que sou hoje, anônima, desconhecida, improvável?
Não sei. 
Por enquanto, escolho racionalmente um destino material.  Materializo salário e compras no supermercado, um brinquedo novo pro meu filho, uma roupa nova pra ir a lugar nenhum.  Meus sonhos, que eu materializava sentada no interior de uma sala de aula, esses eu talvez materialize mais tarde, quando me deparar com a velha foto do R.G. e, reconhecendo quem ela foi, já não reconheça mais quem ela terá se tornado no espelho do provador da loja, lá no shopping center.

DePrê  =(


Oct 4, 2011 - 5:04p.m.

terça-feira, 28 de junho de 2011

AutoAmor

Durante toda a minha infância e adolescência eu vivi à sombra das sombras de ser.  “Parecia”, inicialmente para não chocar, depois para fazer de conta que as coisas eram legitimamente como eu as enxergava.  Houve maus e péssimos momentos e eu poderia descrevê-los com a intimidade com que um amante descreveria o relevo do ventre ou o cheiro do colo de sua amada.
Muitas indesejáveis lembranças acumularam-se em minha mente e ergueram paredes de uma intransponível prisão, ano após ano, desde que vim ao mundo. Nada era digno de memória; nada, entretanto, eu conseguia apagar da memória.
Eu derrubaria uma floresta inteira se quisesse imprimir em folhas de papel minhas impressões negativas e minhas experiências dolorosas da juventude, mas isso não traria de volta a rigidez e elasticidade da minha pele, não apagaria as rugas do meu rosto, nem desfaria a curvatura dos meus ombros cansados.
Tenho um histórico de momentos ruins, um arquivo – verdadeiro amontoado – de dores e indiferenças.  Mas, o pior período da minha vida foi, sem dúvida, o que passei em São Paulo. 
Foram meses de insônias, angústias, solidão, desesperança, dor.  Mas, o pior de tudo nem eram as sensações ruins da depressão, como é de se supor. A parte mais difícil era, ao longo dos dias, manter a aparência de que estava tudo bem, de que eu estava feliz.  Nada era mais cruel do que passarem-se os dias sem escolhas, no convívio sempre complicado com minha irmã, que tinha uma instabilidade mórbida no humor, chegando ao ponto de passar semanas a fio recusando-se a me dirigir a palavra, isso sem que eu tivesse feito coisa alguma que lhe aborrecesse.
Era confuso para minha cabeça conceber que alguém poderia simplesmente parar de falar comigo no curso de uma conversa animada ou de alguma atividade doméstica e, sem explicação, emudecer, guardar um semblante de ira por longos períodos, me deixar sentindo a pior das solidões, que é quando estamos sós em meio à multidão.  E era como me sentia ao seu lado:  sozinha, embora na convivência com ela, as crianças, meu cunhado – ele sendo a única pessoa em quem eu percebia um pouco de calor.
Observando com justiça, nunca medi esforços em minha vida pelos outros.  Sempre que alguém tinha necessidade de ajuda, eu estava lá.  Se havia um trabalho a fazer, ou sobrinhos pra tomar conta, viagens, levar e trazer encomendas, cuidar dos pequenos pontos de negócio da família, todos sempre contavam comigo.  Ninguém jamais se perguntou se eu precisava de tempo pra mim, se eu precisava estudar pra alguma matéria em que tivesse dificuldades na escola, nem se aos nove ou dez anos de idade eu era criança demais pra tomar conta de outras crianças.  Ninguém se perguntava se eu tinha sonhos; ninguém queria saber se eu desejava fazer cursos naquele tempo em que estava ocupada, ajudando-os; não se dirigiam a mim pra viabilizar as coisas para as quais preparei meu coração a infância inteira...  Eles precisavam de ajuda, e eu aparecia, como um acessório sempre à mão, uma ferramenta da qual eles poderiam dispor a qualquer momento.
Eu era meio “invisível”.  Uma anônima dentro de casa, no seio da família. Ninguém reparava em mim, ninguém percebia meu teatro para manter aparências de felicidade.  Tenho depressão desde os tempos mais remotos da minha infância, mas eles estavam todos ocupados demais pra perceberem ou para se importarem.  Seus negócios, trabalhos, estudos, suas crias eram mais importantes do que eu!
Havia fins de tarde em que eu subia na laje da casa, permanecia lá até altas horas da noite, sem que ninguém percebesse minha falta.  Só bem tarde, mesmo, minha mãe começava a perguntar por mim, já que “conferia” se estávamos todos em casa, na hora de dormir.  Nem sei que tipo de preocupação ela tinha, mas sei que não era se eu estava infeliz, vendo o nascer e o poente das estrelas deitada na laje da cozinha.  Talvez se preocupasse se eu estava com alguém na rua, porque perder a virgindade ou aparecer grávida, ou ainda drogada, seria um escândalo – para eles!  Não pensavam em quanto EU poderia sofrer com essas coisas, ou quanto elas poderiam ser prazerosas pra mim, como era de se supor.  A vergonha da família estava em jogo, não a minha vida ou a de qualquer outra pessoa que estivesse sujeita às mesmas probabilidades.
Era assim que as coisas aconteciam.  Era assim que eu me percebia, refletida nas paredes – mesmo quando não havia espelhos pendurados nelas.  Porque me sentia espectro, forma indefinível, ser invisível, fantasma.
Senti, por toda a vida, a necessidade de ser útil.  A sensação de dependência da percepção dos outros era compensada por uma desesperada e constante tentativa de servir, de estar ao alcance da mão, de ser a ferramenta, o acessório, de valer a comida que comia, a roupa que vestia, os remédios, a despesa que dava.
Mas, foram esforços inúteis, ninguém os percebia, ninguém os valorizava.  E eu mergulhava em meus pensamentos, em minhas angústias, vivenciando a dor que me cortava as carnes por dentro, que me feriam a alma tão profunda e definitivamente, que por mais que eu tentasse me fazer merecedora do amor das pessoas que estavam à minha volta, o máximo que conseguia era a ilusão de ser útil.
Estive no fundo do poço inúmeras vezes. Porém, mais longos períodos do que nestas ocasiões, eu passei profundamente enterrada na lama que havia no fundo desse poço.  Minha alma se sentia fétida, atolada na imundície gelada que me imobilizava internamente, que me anulava de tal maneira que o fingimento de estar bem começou a ter que funcionar pra mim mesma, começou a enganar meus próprios sentidos, me fazendo crer que aquilo a que eu me acostumara era a vida real, era a naturalidade.  Tornou-se banal estar triste, deprimida.  Tornou-se pequeno o meu problema diante do turbilhão de pensamentos que me assaltavam durante minhas insones madrugadas.  Tornou-se merecimento o sofrimento, e por mais que eu estendesse meus esforços para me sentir parte da engrenagem da família, o máximo que conseguia perceber era que ser uma ferramenta que mantivesse a engrenagem funcionando já era grande coisa, já que eu certamente não devia “merecer” a compaixão do mundo, sequer.  Pedir amor era supérfluo, a essa altura.
A depressão é um verme:  aloja-se em nosso ventre, suga nossas energias, nossa alimentação, nossos sonhos.  Turva nossa visão, incapacita nossos sentidos para perceber o mundo ao redor em suas cores e formas reais. Faz com que nos sintamos pequenos demais, insignificantes. Faz-nos descer ao mais fundo de nossos abismos interiores, sepultando nossas almas em gélidas lápides sem epitáfios.  Faz-nos perder nossa identidade.
E foi em busca de uma nova identidade que nasceu uma outra eu, a que subia ao palco, todas as manhãs, para representar o papel de garotinha contente. 
Daquela forma eu podia ser Alice num país de maravilhas que só minha visão turva conseguia proporcionar ao meu espírito, quando na verdade ele despencava numa toca de coelho sem fundo por longas semanas, meses até.
Vivi personagens muitos, de rapunzéis – a deixar crescerem longas tranças de cabelos dourados, como raízes em busca de água – a belas adormecidas – deitadas em vitrines e rodeadas de flores, à espera de um príncipe encantado que um dia a viesse resgatar do seu sono de morte com um longo beijo.
Vivi, em tenra idade, o papel de mãe, cuidando de crianças que não pari, com o zelo que gostaria de ter sido tratada.
Assinei contratos invisíveis, nos quais me propunha a uma escravidão sem queixas, em troca de migalhas de entendimento e piedade.  E cumpri minha parte, sem jamais ter recebido minha paga.
Submeti-me a leis, regras que se diziam morais, vindas de bocas indecentes de pessoas que me usavam para suas vidas se tornarem mais fáceis, sem jamais terem conhecido meu coração, sem jamais terem me visto como pessoa, sem jamais terem enxergado humanidade em mim.  Submeti-me a normas e ditadores e me senti pressionada a escolhas que endossaram minha vida com culpas e remorsos tantos, a ponto de me fazerem desejar a dor para purgar a criatura vil que me fiz acreditar que era.
Meu nome e minha vida pesaram tanto sobre meus ombros, que o suicídio se tornou pensamento fútil a povoar minha cabeça.  Morte deixou de ser temor e passou a ser ideal.  Sair do corpo era tão primordial pra mim quanto não tornar a ele, mas minhas penas estavam sempre pela metade e, graças aos meus contratos invisíveis, nos quais tingi com sangue uma assinatura, permaneci ali, num infinito resgate de dívidas...
A depressão se apresentou com muitas faces ao longo desse tempo.  Ora era uma angústia sufocante, ora um carrossel em looping; ora era dor no peito, ora um vazio de desejos tamanho, que era indiferente viver ou sobreviver, morrer ou extinguir.  E vi o tempo passar, implacável, entre uma crise e outra, levando minha juventude embora, sugando de mim qualquer semente boa, para que em meus jardins não germinasse nada que não fosse espinho.
Ah, o tempo... Amigo e inimigo de todas as horas!
Amadureci.  E, junto com a idade, alguns conhecimentos surgiram, observações que fazia da vida – ao menos do que eu conhecia como tal, expectadora que me fiz da minha própria existência.
E comecei a sentir injustiça no que havia. Comecei a cobrar igualdades, a me sentir espoliada, prostituída... Comecei a me entender como vítima, mas isso se tornou ainda um pouco mais perigoso, porque a dor e a indiferença começaram a converterem-se em irritabilidade, inconstância, fugas, comportamentos arredios, grosseiros, até violentos.  Feri pessoas que não mereciam, no desejo de machucar quem me submeteu no passado; agredi quem finalmente me fez sentir gente, como o cachorro atropelado que morde a mão que o resgata na hora da agonia...
Nascer pessoa, crescer gente, entender-se desde sempre humano, deve ser uma experiência maravilhosa!  Mas, nascer sobressalente, crescer culpada e descobrir-se pessoa tarde demais nos faz revoltosos.  E foi assim que aconteceu comigo.
Atormentam-me culpas que carreguei desde a infância, até a minha vida adulta, como fantasmas arrastando correntes pela sala, enquanto, trancada no quarto, tento repousar a cabeça a cada noite.
Doem-me até o presente as mesmas dores dilacerantes que perfuravam minha garganta, rasgando-me de cima abaixo, dividindo-me em duas:  uma que ficava sob as tábuas, enquanto a outra brilhava sobre o palco da existência, em seus múltiplos personagens.
Difícil conviver com tanta confusão mental.  Ter lucidez, aprender, buscar, sonhar... São, todas essas, coisas às quais não fui apresentada na infância.  Aprendia maquinalmente, sem saber quem me ensinava as lições. E se, apesar de tudo, ainda surgissem sonhos, em muito pouco tempo eu os afogava no tanque de roupas sujas.  Não havia tempo nem espaço pra eles em minha rotina!
Amar foi a única coisa que preservei em meio a esse tumulto.  Guardei esse verbo como o Verbo Divino, longe de todos os males, rodeado e protegido pelos próprios espinhos que me feriam dentro dos meus jardins.  Deixei que permanecessem intactos os grandes amores e admirações que assisti passar ao longo da encarnação.
Hoje, busco nesses verbos uma nova conjugação da vida.  Não os dispenso, vivo deles, respiro-os.  Alimento meu espírito com seus frutos, bebo de sua fonte e sacio a sede de esperança que sempre tornou árido o meu ventre.  Cubro-os com flores e cuido que sempre haja adornos e perfume em cada um desses preciosos seres, entregando-me – não como escrava nem assinando pactos de sangue, mas fazendo-me melhor e melhor antes para mim mesma, a cada dia.  Resgatei-me da lama e banhei-me num rio de águas límpidas, me sentindo menos cansada e fétida, desanuviando a visão para poder enxergar as estrelas...
A sensação do autoamor é indescritível!
Amar-me a mim tem me feito vislumbrar um ponto de equilíbrio que antes nunca pensei existir.  Estabilizou a minha vida-viagem, eliminando os vertiginosos loopings impostos pela montanha russa em que me deixei arrastar por grande parte de minha existência.
Autoamor para mim significa resgate.  Significa não precisar que outros me enxerguem, já que eu mesma consigo me enxergar.  É fazer-me gente, mesmo quando isso represente romper antigos laços, rasgar antigos tratados.  Sugere-me acreditar em mim mesma, abrir portas e transpô-las corajosamente, perseguir causas, sonhar, querer mais a permanência física e a nitidez mental para compreender e sentir profundamente cada experiência nova.  Ser múltipla por dentro, sem precisar exteriorizar personagens.  Ter a coragem e a ousadia de acordar todas as manhãs e respirar, para me fazer humana e sublimar minhas conquistas cotidianas.  Ser autora de meus atos e escolhas, ter autonomia ao invés de culpas, ter prazer e dor na medida certa que nos é mister, à medida em que somos mais reais.
Foi bom ter sobrevivido às intempéries, às galeras e hienas esfomeadas que me arrancavam lascas da vida na carne e que corroíam o desejo de ser, nos ossos que, em meio às dificuldades, me sustentavam de pé.  Foi bom não ter levado os pensamentos suicidas à veracidade.  Foi muito bom, mesmo, ter encontrado a mim mesma e me estendido a mão para me resgatar dos braços robustos da morte.
Talvez pareça tarde, mas isso ainda acontece pelos restos de lama que ainda não consegui desencrostar de minha alma, tão densa e ressecada estava quando me banhei nas águas mornas do autoamor.  Então, às vezes, ainda surgem insônias e pesadelos, nos quais me vejo submissa a leis nas quais já não vejo o menor sentido ou utilidade.  Ainda me vêm pensamentos e reações sobre os quais não consegui total controle, e me vejo “mordendo” as mãos que me ajudam a levantar e caminhar, depois de tantos desastres, depois de ter sido tantas vezes violentada, atropelada, esmagada...
Mas já consigo ver luz em meio a essas madrugadas de neblina, já me sinto menos desprotegida da friagem noturna.  Meu pulmão já não dói quando respiro, nem me permito ser dilacerada pelas lâminas afiadas que outrora descarnavam-me, sem dó.
Busco sentido para a vida, busco respostas e também novas perguntas.  Recuso-me assistir ao passar dos fatos sem participação.  Deixo-me marcar pela vida, mas deixo também marcas do que sou em essência, sempre que consigo agarrar a possibilidade.  Não me submeto ao que é possível, simplesmente, mas vou até o limite das minhas forças para alcançar o que antes era inatingível.  Não me permito a inércia, nem me curvo aos comandos e leis alheias, que não me têm nenhuma serventia.
Viver tornou-se imperativo.  Amar tornou-se vital.  Liberdade tornou-se amorosa condição para todas essas cousas.
Quando serei eu, na totalidade? Sinceramente, não sei.  Nem me preocupa saber.
Hoje, a importância da vida está na busca, não na finalidade; está nos meios, não em metas traçadas ou projetos em folhas de papel que a chuva facilmente destruiria, apagando as linhas; está em ser, não em parecer.
Como diz o poeta, “A sensação de estar feliz e estar feliz, a nada se compara!”*
E, um dia de cada vez, eu mais que sobrevivo: eu conquisto-me e reconquisto-me pelo autoamor.
É a melhor fase de mim mesma.

DePrê  =(
Jun 28, 2011 – 3:02pm


* Junior Almeida, cantor e compositor alagoano


segunda-feira, 14 de março de 2011

Deprê voltando... =(



Percebo-a cada vez mais perto. Aproxima-se sorrateira.  Posso ouvir o farfalhar das folhas em redor de mim, o estalar dos galhos secos sob seus passos, o som da sua respiração.  Quase posso sentir na pele o seu olhar deslizando.  Quase ouço seu pensamento a invadir o meu, perscrutando-me, analisando meus movimentos, armando um bote certeiro.
Sou presa fácil. Já caí tantas vezes nas garras dessa impiedosa fera, que o simples temor já me aniquila e paralisa.  O medo agrava a violência da sua investida, torna mais dolorosas as feridas de suas unhas afiadas a encravarem-se em minha pele...
Tive dores no peito nos últimos dias, nas últimas semanas.  Sempre me avisou de sua presença assim, era presságio, antes da sertralina entrar em minha rotina.
Meses livre desse monstro me deram tempo para respirar. Agora já não me sinto segura, mas prisioneira. Os remédios já não afugentam o animal feroz que me ameaça, mas me mantém bitolada a uma jaula pequena, dentro da qual fico como a salvo, com a escuridão do lado de fora a ocultar suas tragédias noturnas.
O hálito quente bafeja bem perto agora.  Meu peito doeu mais do que de costume nas últimas 72 horas, e não apenas a intensidade era maior, mas a freqüência.  Intervalos cada vez mais curtos separam as dores, e isso me apavora.  Me dá a dimensão da fragilidade de estar sob a dependência química de um antidepressivo.  Esquecer uma dose é como quebrar uma barra da jaula que me mantém protegida da fera, me deixa à mercê das suas poderosas garras.  Uma diarréia e lá se vai o efeito milagroso de estar a salvo.
Estar bem e pensar que estou bem são duas coisas distintas. Bem distintas.  A minha razão sempre me puxou para esta realidade, mas ao longo dos meses, sem as viagens alucinantes da montanha russa dos meus sentimentos e sentidos, fui entorpecendo minha capacidade de raciocínio, enchendo de esperanças o meu calejado coração.
Agora que meu humor me deu sinais de falência dos recursos até então administrados, me pergunto:  como será daqui para a frente? Aumento da dose? Troca da droga? Associações? Ajustes?
Não sei mesmo se quero isso para mim.
Ser escrava da dor pode não ser mais confortável do que ser escrava de entorpecentes, mas ao menos me dá a sensação de não estar mentindo para mim mesma...

DePrê  =(
March 14, 2011 – 4:26pm

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Efeito colateral


Ora era pássaro
Para, em seguida, tornar-me verme
E rastejar,
Soterrar-me sob grossas e pesadas camadas de lama e podridão.
Cada vôo tinha o gosto de uma liberdade quase doentia,
Obscena,
Com longas asas de cera.

Logo convertia-se em mergulho
Rápido, vertiginoso, agudo
E sentia o solo aproximar-se
Envolver-me, abraçar-me,
Sufocar-me.

E lá permanecia, na escuridão, por longos e temerosos séculos.

Havia em mim algo de podre – por dentro
Que me fazia tão densa,
Tão pesada,
Que nenhum vento era capaz de me manter no céu.

Logo o sol derretia a cera e me fazia tombar.

Sinto-me agora
Em vôo livre – algo que conheço bem de outras aventuras
E me assusta, me faz medo, me deixa apreensiva,
Expectante.
Penso no mergulho agudo nas profundezas do abismo.

E, quanto mais demoro a despencar,
Mais me dividem os pensamentos:
Esperança
De estar voando tão segura que o solo não me alcance mais
E medo
Do tamanho da queda
Tanto mais alto eu flutuo.

DePrê =(
Dec 17, 2010  - 6:25 a. m.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Cirurgia

Eu queria que  existisse alguém, em algum lugar, que tivesse o conhecimento de uma medicina qualquer que o permitisse abrir meu peito com um estilete afiado e preciso, para, com suas mãos hábeis, tirar de dentro de mim essa angústia que me sufoca...
Queria que houvesse um jeito de curar a dor, uma mágica, uma varinha de condão, um colibri divino, qualquer coisa que arrancasse de mim, para sempre, esse desejo de não ser...
Queria encontrar um pensamento flutuando sobre minha cabeça, que eu pudesse puxar para dentro dela, e que a fizesse mais lúcida, menos submissa aos caprichos da tristeza...
Gostaria de acreditar que uma planta, um chá, um remédio, uma beberagem qualquer fosse suficiente para acalmar meu pranto...
Sinto-me só.  Como em muitos outros momentos semelhantes, ninguém é capaz de me fazer companhia, pois habito um espaço em que só eu posso entrar: uma rua escura, fria, úmida, triste, sem nascer do sol, sem estrelas à noite, sem pássaros, nem borboletas.
Estou mergulhada na escuridão. Nem minha voz faz eco, nada ressoa, nem um único som, nada...
Minha respiração está fraca, sem vontade de encher os pulmões com ar, sem querer alimentar meus pensamentos.  Só queria um desmaio, um desacordar, uma morte suave e indolor.  Algo que me libertasse definitivamente.  Nada mais.
Agora entendo Hamlet, na raiz da palavra:  “Ser ou não ser?”
No fundo, ele sabia a resposta.
No fundo, todos nós sabemos.
Mas, somos tão covardes para admitir a realidade dolorosa, quanto para nos agarrar à vida; somos tão covardes uns, por não verbalizarem as verdadeiras vontades, quanto outros, por desistirem da luta e se entregarem às incertezas da inexistência.
Queria uma medicina, uma sabedoria, uma benzedura, qualquer coisa que tivesse o poder de rasgar minha pele, afastar meus ossos e arrancar de dentro de mim o que me envenena a alma...
Fico só na querência.  Bem-me-quer, mal-me-quer.  Sem escolhas, sem pétalas.
E, atormentada pelo que não escolhi, vou derramando lágrimas inúteis – elas não escoariam nunca a tristeza toda que eu carrego, nem se eu chorasse pelo resto dos meus dias.
Estaria eu fadada à melancolia?
Talvez.
Afinal, a medicina dos homens ainda não usa bisturi que possa cortar a alma!

DePrê  =(
Nov 22, 2010

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Ranking

A pior parte da vida é chorar a morte 
dos amigos que ainda estão vivos.

A segunda pior parte é estar morta para eles...


DePrê  =(
Oct 27, 2010

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Demissão

Hoje eu pedi demissão... da vida.
Estou tão farta de não ser quem não tenho sido...
Parece confuso?  É, parece.
Mas é como me sinto:  não sendo. Pelo menos, não sendo quem deveria ser.  Nem sendo ‘quem’, mas ‘o quê’.
Sou mãe, e meu filho depende de mim para algumas coisas, e eu dele, muitas vezes.  Caminho por entre os sonhos que matei em nome da maternidade, com a naturalidade de quem passeia entre flores.
Ruim?  Não.  Talvez a melhor parte.  Alguém nesse mundo vale, merece os meus sonhos. Alguém nesse mundo tem direito de me herdar – órfã dos meus sonhos-pais, de minhas ilusões-mães...
Sou esposa.  E ser esposa me dá aquele ridículo status de proprietária, quando abomino terminantemente qualquer tentativa de alguém “pertencer” a outrem. 
Ser esposa também me rebaixa, no entanto, à condição inversa, onde viro propriedade do outro.  E isso me constrange.
Não falo do meu marido em si, pois ele concorda comigo que não somos donos nem propriedades um do outro.  Falo da posição, apenas, como ela é vista pelas outras pessoas em torno de nós.
E, enfim,  sou funcionária de uma empresa.  Algumas coisas dependem das minhas mãos – nem sempre tão ágeis –, outras do meu cérebro – nem sempre tão lúcido –, de minhas decisões – nem sempre acertadas.
O único momento em que sou eu mesma é quando sento na privada.  Acho que, se analisarmos bem, a maioria de nós só é indivíduo, mesmo, na hora de defecar!
É nesse momento que faço algo que não depende de outras pessoas e não lhes oferece nada.  Faço por necessidade minha, apenas.  Vou ao banheiro para satisfazer a mim mesma, e a mais ninguém.
Ali, porta fechada, não estou pensando em ajudar nem prejudicar aos outros; não há, a não ser para mim mesma, nenhuma conseqüência; ninguém se beneficia ou prejudica, ninguém depende nem me pede que atenda, assim, as suas necessidades junto com as minhas.
Minha vida, então,  resume-se a freqüentes diarréias!
Sou eu mesma, apenas para sentir cólicas...
Hoje, quando acordei, me perguntei quais engrenagens do mundo se desmantelariam sem o pino da minha existência.  A resposta foi simples:  nenhuma.
Depois de um curto espaço de tempo já não haveria frestas onde antes eu estivera.
Sou muito realista:  o casamento, a família e os amigos podem até dizer que sentem saudades, mas de saudade eu mesma já morri, faz tempo!
Sinto falta de alguém que um dia pensei que fosse, e de uma vida real que há algum tempo vislumbrei num sonho.
Empresa, nessas horas, é mais prática:  contrata alguém melhor ou pior e decide, por esse critério, o salário que esse substituto vai ter.  Dessa maneira, dissolvem-se os resquícios da “saudade comercial” que minha cadeira poderia sentir de mim.
Quanto a mim mesma, como eu me sentiria ou reagiria, a incerteza dos escuros caminhos da morte não me permitem prever.  Se sofreria, se ficaria feliz ou se sentiria dor no momento do gélido abraço do não-ser, eu não posso antecipar.
Por isso, hoje eu pedi uma demissão especial, assinada com as lágrimas que dos meus inexpressivos olhos caíam: pedi demissão de todas essas funções que desempenho.
(Mas a vida é um patrão estúpido! A despeito de todos os meus argumentos, negou meu afastamento, me faz cumprir um contrato que não me lembro ter assinado naquele outubro que ficou pra trás)
Quero ser eu mesma, mas não quero viver trancada no banheiro pra isso!
Talvez a morte seja mais eficaz em me devolver a minha identidade...
DePrê =(
Oct 10, 2008

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Primeiro post...

Mais uma vez a depressão me assalta.  Sinto o peito oprimir e, antes de engolir qualquer droga pra tirar de mim a dor e preencher o vazio, prefiro escrever para registrar e tentar, assim, me convencer de que essa sensação é que é irregular e incômoda, não o normal de minha vida, como às vezes parece.
São tão freqüentes e intensas as minhas crises, que quase me convencem de que eu SOU deprimida e estar bem é a exceção, a condição que deveria ser combatida.  Até porque, em alguns casos em que meu humor vai a 100 é também sinal de perigo, mais uma das muitas faces dessa silenciosa inimiga com a qual convivo desde sempre.
Sinto-me sozinha neste momento. Apesar de estar entre pessoas que gosto, me sinto terrivelmente só, isolada.
Não sei descrever a depressão como uma tristeza, como as outras pessoas geralmente a descrevem.  Na verdade, não me sinto triste.  É como um vácuo, uma lacuna em tudo. Tirando a dor no peito e a pressão na nuca, todo o resto é um vazio infinito, onde não há sentimentos. 
Vivo sempre conduzida pela minha razão, e não pelas emoções que, naturalmente, deveriam reger meus instintos para me agarrar à vida.  Não tentaria a morte. Não a desejo.  Não sinto vontade dela.  Também não sinto vontade de vida.  Daí a necessidade de me agarrar ao que me parece mais racional para continuar vivendo. Tenho plena consciência de que preciso permanecer viva para terminar de criar o meu filho, educá-lo, instruí-lo no que for de minha competência materna.  Sei que não posso morrer agora. Pelo menos, não por vontade própria, porque o meu marido não daria conta de cuidar do pequeno, da casa, das contas, de si mesmo – com tantas tarefas a cumprir.  É isso que me mantém viva, que me dá o impulso de caminhar todos os dias de casa para o trabalho e deste para casa, e que me faz engolir alguns comprimidos, de vez em quando, pra me fazer sentir um pouco de paz, combater a angústia.
De resto, se hoje me faltasse o meu filho, com absoluta certeza me faltaria também o estímulo racional de me preservar.  Porque até certo ponto ele ainda depende de mim. Mas meu marido, pessoalmente, não. Ficaria muito bem se eu não estivesse. Não sou o que se pode chamar de “indispensável”.
Pergunto-me:  quando eu der o meu trabalho de mãe como concluído, quando eu vir o meu menino já crescido, com independência e altivez, trabalhando, construindo sua própria família, onde buscarei forças, coragem e essa NECESSIDADE para continuar vivendo?
Quanto tempo ainda tenho?  Não sei.  Não muito, eu creio.  Minha razão de viver já está adolescente, logo será um homem feito e não precisará mais da minha mão, quando tiver pesadelos no meio da noite.
Minha vida precisa ser minha. Preciso desejá-la.  Sem drogas, sem dependências, sem razões. Simplesmente desejar. 
Estar viva por obrigação é muito cansativo!
Bastaria para mim, hoje, querer a vida como sinto vontade de tomar um sorvete numa tarde de verão...

DePrê =(
Jun 9, 2010  -  7:30am