segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Demissão

Hoje eu pedi demissão... da vida.
Estou tão farta de não ser quem não tenho sido...
Parece confuso?  É, parece.
Mas é como me sinto:  não sendo. Pelo menos, não sendo quem deveria ser.  Nem sendo ‘quem’, mas ‘o quê’.
Sou mãe, e meu filho depende de mim para algumas coisas, e eu dele, muitas vezes.  Caminho por entre os sonhos que matei em nome da maternidade, com a naturalidade de quem passeia entre flores.
Ruim?  Não.  Talvez a melhor parte.  Alguém nesse mundo vale, merece os meus sonhos. Alguém nesse mundo tem direito de me herdar – órfã dos meus sonhos-pais, de minhas ilusões-mães...
Sou esposa.  E ser esposa me dá aquele ridículo status de proprietária, quando abomino terminantemente qualquer tentativa de alguém “pertencer” a outrem. 
Ser esposa também me rebaixa, no entanto, à condição inversa, onde viro propriedade do outro.  E isso me constrange.
Não falo do meu marido em si, pois ele concorda comigo que não somos donos nem propriedades um do outro.  Falo da posição, apenas, como ela é vista pelas outras pessoas em torno de nós.
E, enfim,  sou funcionária de uma empresa.  Algumas coisas dependem das minhas mãos – nem sempre tão ágeis –, outras do meu cérebro – nem sempre tão lúcido –, de minhas decisões – nem sempre acertadas.
O único momento em que sou eu mesma é quando sento na privada.  Acho que, se analisarmos bem, a maioria de nós só é indivíduo, mesmo, na hora de defecar!
É nesse momento que faço algo que não depende de outras pessoas e não lhes oferece nada.  Faço por necessidade minha, apenas.  Vou ao banheiro para satisfazer a mim mesma, e a mais ninguém.
Ali, porta fechada, não estou pensando em ajudar nem prejudicar aos outros; não há, a não ser para mim mesma, nenhuma conseqüência; ninguém se beneficia ou prejudica, ninguém depende nem me pede que atenda, assim, as suas necessidades junto com as minhas.
Minha vida, então,  resume-se a freqüentes diarréias!
Sou eu mesma, apenas para sentir cólicas...
Hoje, quando acordei, me perguntei quais engrenagens do mundo se desmantelariam sem o pino da minha existência.  A resposta foi simples:  nenhuma.
Depois de um curto espaço de tempo já não haveria frestas onde antes eu estivera.
Sou muito realista:  o casamento, a família e os amigos podem até dizer que sentem saudades, mas de saudade eu mesma já morri, faz tempo!
Sinto falta de alguém que um dia pensei que fosse, e de uma vida real que há algum tempo vislumbrei num sonho.
Empresa, nessas horas, é mais prática:  contrata alguém melhor ou pior e decide, por esse critério, o salário que esse substituto vai ter.  Dessa maneira, dissolvem-se os resquícios da “saudade comercial” que minha cadeira poderia sentir de mim.
Quanto a mim mesma, como eu me sentiria ou reagiria, a incerteza dos escuros caminhos da morte não me permitem prever.  Se sofreria, se ficaria feliz ou se sentiria dor no momento do gélido abraço do não-ser, eu não posso antecipar.
Por isso, hoje eu pedi uma demissão especial, assinada com as lágrimas que dos meus inexpressivos olhos caíam: pedi demissão de todas essas funções que desempenho.
(Mas a vida é um patrão estúpido! A despeito de todos os meus argumentos, negou meu afastamento, me faz cumprir um contrato que não me lembro ter assinado naquele outubro que ficou pra trás)
Quero ser eu mesma, mas não quero viver trancada no banheiro pra isso!
Talvez a morte seja mais eficaz em me devolver a minha identidade...
DePrê =(
Oct 10, 2008

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