terça-feira, 4 de outubro de 2011

Apatia

A apatia tem me mostrado seus olhos, ultimamente, como outrora.  Percebo isso nos finais de tarde, principalmente. 
O que há poucos dias me confrangeu a ponto de me fazer adoecer, agora parece não ter uma importância tão grande para me causar sofrimento.
Refiro-me à possibilidade de deixar a faculdade.  Fiquei apavorada com essa hipótese, quando ela surgiu em função de uma proposta de emprego.  Fiquei tão desconcertada, tão angustiada, que não queria mais nada da vida, entrei em depressão na mais comum das suas acepções: aquela tristeza tão dolorosa, a ponto de sufocar.
Não sentia fome, tinha dores de cabeça, vontade de chorar.  Fiquei tão tensa e magoada em perder meu tesouro – a possibilidade de conhecer, aprender, crescer, expandir –, que nada mais parecia ter importância ou sabor.
Hoje me peguei ligando para a empresa cujo diretor me ofereceu o cargo, para pedir-lhe uma chance de ainda participar da seleção de candidatos.  Naturalmente. 
Considero deixar a faculdade com quase tanta certeza de estar fazendo a coisa certa, quanto tinha ao entrar por suas portas, três meses atrás.  Sem muitas dores, sem muitos temores.  Na maior normalidade.  Praticamente indiferente.  Como quem adia (novamente) a vida.  Como se não fosse importante viver agora, mas sempre deixar pra depois o que desejo, em nome do que preciso.
Necessidades sempre engolem sonhos, afinal.  Aprendi assim.  E tem sido assim.
Entristeço mais por constatar que estou apática, mesmo com medicação correndo nas veias, do que propriamente pelo que estou abrindo mão.
Há ainda algo que está me fazendo anestesiar, caso tenha mesmo que deixar o curso: estou meio “peixe fora d’água” por lá.  Extraterrestre.  Anormal, como zombam alguns.  Parece, às vezes, que estou falando outro idioma, ou mesmo que estou no lugar errado, sei lá...  As pessoas tratam o aprender como se fosse algo extraordinário, para o que não estão ainda preparadas.  E eu me pergunto:  pra que será que estão ali, então?
Na sala de aula, há sempre uma sensação de que as pessoas à minha volta não estão à vontade comigo.  Mas, na verdade, sou eu que me sinto assim, pouco à vontade com os demais.  Piso em ovos o tempo inteiro, medindo palavras, raciocínios, impressões.  Perco o rumo quando tento me alongar em alguma coisa e a pessoa diz: “Ah, você é anormal! Nem sei do que está falando!”.  Aprender, que pra mim é minha alma respirando, agora virou meio criminoso, doentio.  É crime ser capaz.  É crime alcançar, absorver. 
Então, juntando o inútil ao desagradável, ou seja:  a apatia a esses incômodos comentários, já viu no que dá.
...
Meus pensamentos não estão muito romanescos, ultimamente.
Acho que deveria haver um jeito de interditar as pessoas durante suas crises de identidade, depressões, melancolias, devaneios... Porque a vida sem sentimentos é estado vegetativo do ser.  E decidir sobre a vida pela racionalização integral dos fatos, sem considerar o dia após esse dia com seu raiar e pôr de sol, com suas estrelas e sua lua, com suas brisas, aromas, sabores, cores, rimas e cansaços, é castigar-se previamente a um despertar doloroso, quando reencontrar no bolso do casaco aquela velha e desbotada foto e a assinatura caprichada, quase saltando do R.G.
Será que ainda saberei realmente quem eu sou?
E, se saberei, me pergunto:  gostarei da pessoa na qual terei me tornado, tanto quanto gosto da que sou hoje, anônima, desconhecida, improvável?
Não sei. 
Por enquanto, escolho racionalmente um destino material.  Materializo salário e compras no supermercado, um brinquedo novo pro meu filho, uma roupa nova pra ir a lugar nenhum.  Meus sonhos, que eu materializava sentada no interior de uma sala de aula, esses eu talvez materialize mais tarde, quando me deparar com a velha foto do R.G. e, reconhecendo quem ela foi, já não reconheça mais quem ela terá se tornado no espelho do provador da loja, lá no shopping center.

DePrê  =(


Oct 4, 2011 - 5:04p.m.

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